30 ANOS

Simone: há 30 anos um diamante da canção brasileira ilumina o Natal

Se há uma voz para acolher dimensões tão vastas e expressivas, tão fundas e emocionadas quanto as paisagens musicais produzidas no Brasil, a de Simone, seguramente, é das mais brilhantes. De todos os tempos.

Simone gosta de mar. De estar ao ar livre. Gosta de animais. De viajar. Gosta de atividade física. De filmes. Gosta de música, evidente. E de gente. Ela é do esporte coletivo. Do abraço, da entrega. Uma pessoa muitíssimo singular e absolutamente plural. Em escolhas, em gestos. Naquilo que amplifica com o seu inconfundível timbre. Com a sua voz de arrebatadora plenitude. Definitivamente, é do time de quem joga junto.

Simone, por óbvio, tem a linha de sua existência costurada ao dia de Natal: é o dia de seu aniversário. Uma história que se inicia em 1949, no sétimo minuto do dia 25 de Dezembro, sétima filha de uma família de oito irmãos. Literalmente anunciada por badalos de sinos natalinos. Uma história costurada pelas memórias da menina de família numerosa e festiva, que ouvia música, brincava na rua, nadava, jogava bola e que até já se frustrou por não receber, em certo aniversário, um desejado par de patins.

A trajetória da cantora é bem conhecida de seu público – da jogadora de basquete e professora de educação física à estrela da música brasileira. Lá se vão mais de 50 anos de seu primeiro álbum solo, de 1973 – no qual a artista iniciante já apresenta escolhas sólidas no panorama do que se ainda se desenhava como futuro na MPB: Joyce Moreno, Ivan Lins, Taiguara e os irmãos Borges, Lô e Marcio. A história dessa baiana de Salvador, a Cigarra (apelido recebido pouco depois, em 1978), nasce aí. 

Somente a primeira (e fenomenal) década de seu legado fonográfico, já lhe destinaria a um lugar no panteão dos grandes artistas da história da música popular brasileira. Mas se desdobra para muito além. A posição de destaque como a fabulosa intérprete que sempre foi – e segue sendo – cristalizou-se nas décadas seguintes, com a gravação de um sortido e valoroso buquê sonoro, composto por quase 40 álbuns individuais e um sem número de colaborações, filmes, novelas e audiovisuais. Tal reconhecimento, inclusive, levou a artista a ser laureada com o Prêmio à Excelência Musical, concedido pelo Grammy Latino, em 2023.

Os fonogramas falam por si. Marcam o percurso. Fossem livro, um dos mais luminosos capítulos – e certamente o mais perene deles – seria, justamente, o fio que perpassa e costura tanta vida musical: 25 de Dezembro, o álbum.

25 de Dezembro: um álbum pioneiro embala as festas de milhões de brasileiros, geração após geração, há 30 anos 

Discos com canções temáticas sobre o Natal e as festas de final de ano eram comuns no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. Certa ocasião, ao entrar em uma loja de discos em Nova York, Simone se deparou com diversas obras gravadas por nomes como Frank Sinatra, Elvis Presley, Harry Connick Jr, Jackson Five e outros tantos. Foi, então, arrebatada pelo desejo de dedicar um disco ao tema que sempre lhe fora tão caro. Uma ideia que fez – e segue fazendo – história. Desde 1995.

Gravar “25 de Dezembro” foi, portanto, um desdobramento natural de sua trajetória. O vigésimo-quarto registro solo da artista que, de início, seria um “presente de Natal” para si própria, foi um trabalho pioneiro no Brasil. Mostrou-se musicalmente imponente e admiravelmente vitorioso. Elementos que na trajetória de um álbum musical, se individualmente são preciosos, somados, são um feito estupendo.

Um presente que segue presente. 30 anos depois. Se, à época, o registro bateu a casa do milhão de cópias vendidas, o que possibilitou à Simone receber o Disco de Platina – tão almejado pelos artistas e gravadoras àquela altura – o legado é ainda mais valioso. Pouco depois de seu lançamento, ultrapassou a marca de 2 milhões de cópias físicas espalhadas pelo mundo, considerando-se também a versão em espanhol. Na esfera digital, o número de audições é exponencial.

Versões para Irving Berlin (“White Christmas”, que se tornou “Natal Branco”, com letra de Marino Pinto) e John Lennon – que assina com Yoko Ono “Happy Xtmas (War is over)”; clássicos de Assis Valente (“Boas Festas”, em calorosa versão percussiva trazida pelo grupo Timbalada), Blecaute (“Natal das Crianças”), além de Roberto e Erasmo Carlos (“Pensamentos” e “Jesus Cristo”) estão no disco. A trilha natalina se completa com “Bate o Sino” (de Ewaldo Ruy, para o original “Jingle Bells”), “O Velhinho” (Octavio Filho), “Que maravilha viver” (versão de Claudio Rabello para “What a Wonderfiul World”, icônico standard na voz Louis Armstrong) e, “Noite Feliz”, a versão brasileira para “Silent Night” (de Franz Xaver Gruber). Três anos depois, em 1998, “Ave Maria” (com letra de Jayme Redondo e Vicente Paiva) foi incorporada ao repertório, faixa que Simone compartilha com o coro das Meninas Cantoras de Petrópolis.

“Então é Natal”, versão de Claudio Rabello para o hino pacifista de John Lennon e Yoko Ono, composto em 1971, em protesto contra a Guerra do Vietnã, tem contornos especiais. Não apenas por ser a faixa abre-alas do trabalho e a primeira a ser maciçamente divulgada nos meios de comunicação. Com o tempo, tornou-se também a sua impressão digital. A emblemática canção, uma das preferidas de Simone, traz o verso “e o que você fez?”, que desde lá reverbera.

Há 30 dezembros, a voz de Simone é indissociável do período de festas de todo brasileiro. E a celebração desse feito é compatível com milhões e milhões de lembranças afetuosas embaladas por essa presença.

A música tem a extraordinária capacidade de atravessar fronteiras emocionais, culturais e sociais. Aliada a uma mensagem de amor e de consciência, ela se torna mais que trilha sonora: aponta caminho, gera movimento, vira traço de união, costura vínculo.

Simone está feliz. Reluz, vibra, hoje, ao fazer essa pergunta-convite. Um convite inaugural a esse movimento.

“Então, o que você fez?”